quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

MULHER INDÍGENA: DIVERSOS OLHARES, MUITOS PAPÉIS.



“Sua presença nos ambientes nunca passa despercebida, pois inunda o espaço com a energia suave e colorida de seu yuxin”.

MULHERES ASHANINKAS - ALDEIA APIWTXA DO RIO AMÔNIA - MARECHAL THAUMATURGO.
É muito comum que, ao ouvirmos falar da mulher indígena, somente façamos a ligação mental com os afazeres ditos “femininos” em uma aldeia, como cuidar dos filhos, preparar alimentos, cuidar da casa. Visão enganosa que podemos comparar com a ideia tradicional e conservadora de nossa sociedade, que ainda insiste no termo cafona e limitante do papel da mulher, enquadrando-a tão somente como “do lar”.
O assim chamado “universo feminino indígena” é muito amplo, e sem o qual, o que conhecemos como cultura indígena não teria a riqueza e profundidade que estamos acostumados a ver.
Foi para as mulheres que a sagrada jiboia Yube ensinou os mistérios e os segredos dos kene e dos mitos do seu povo Huni Kuin. O povo Puyanawa não teria a técnica da pesca tradicional se não fosse graças a uma mulher.
O feminino em tudo se faz presente na cultura indígena e isso fica claríssimo quando analisamos a expressão máxima do sagrado indígena: ayahuasca. Resultado mágico da união da força do cipó com os encantos da folha. E aí que se mostra a força feminina que, representada pela folha, é responsável por revelar os mistérios sagrados da cultura ancestral e dos caminhos espirituais que oyuxin deve seguir.
As chamadas “artes indígenas” são impregnadas do saber e da energia tradicional. Por exemplo, as famosas e populares pulseiras e colares Huni Kuin (Kaxinawá), Ashaninkas e Kuntanawa feitas de miçangas possuem uma peculiaridade interessante, quando feitas por uma mulher são chamados kene kuin(desenho verdadeiro) e que traz uma energia especial e verdadeira dos ancestrais. Quando feitas por homens, são conhecidos como dami (desenho qualquer, coisa, etc), que são bonitos e são da cultura, mas não tem a energia espiritual e sagrada dos ancestrais. Vale citar que outros povos indígenas locais tem, de modo geral, a mesma regra.
E o que dizer das pinturas corporais? Lindas e cheias de simbologias.
Tive inúmeras oportunidades de ter meu corpo pintado de desenhos tradicionais por mulheres de diferentes povos, e testifico que este é um processo único que vai nos remetendo, a cada traçado pintado em nossa pele, às origens e logos universais, bem como à nossa união com a força da natureza, com a qual convivemos enquanto viventes e com a qual nos harmonizaremos quando sob esta formos sepultados.
Uma prática que vem sendo recuperada nas aldeias é o da parteira tradicional. Figura importante e que liga a criança à tradição de seu povo logo ao nascer.
Os movimentos de fortalecimento ou recuperação da cultura tradicional seriam incipientes, se não contasse com o engajamento delas. Temos vários exemplos deste engajamento, espalhados pelas aldeias do Juruá. Um que acompanho de perto é o lindo trabalho desenvolvido pela Vari Puyanawa que, em breve, estará publicando suas pesquisas e “estudos” espirituais sobre kene tradicionais inspirados pelas mirações do Uni.
Outros papéis comunitários vêm sendo ocupados pelas mulheres: professoras, agentes de saúde, presidentes de associações e cooperativas, entre outros.
O mundo está sempre em transformação social e cultural, e claro, as comunidades indígenas, à exceção dos povos isolados, não estão imunes a estas transformações. Só que estas transformações, além de novos desafios, também vem trazendo ventos de mudança e expansão do papel da mulher neste universo social e cultural.
Temos muitos exemplos disso.
É cada vez mais comum esta participação nos processos de tomada de decisão e representatividade do movimento indígena, bem como de outros espaços ditos “de poder” que, até bem pouco tempo, tinham a figura masculina como referência.
Palavras como pajé, cacique, liderança, são só algumas que deixaram de se referir exclusivamente a atividades do homem.
Assim, temos figuras queridas e fortes que assumiram papéis de referência em suas comunidades e em instituições, dando, além de um brilho e energias diferentes, um toque especial no trato da questão indígena.
E como não se encantar com o vídeo “NixpuPima – Rito de Passagem Huni Kuin”, da Aqui no Juruá acostumamos com a presença e as palavras fortes de lideranças como Lucila Nawa, na luta pela regularização fundiária de sua terra; e da Edna Shanenawa, que vem encampando e lutando pelas políticas de gênero e fortalecimento dos conhecimentos do artesanato indígena, através da Associação de Artesãs e Artesãos do Vale do Juruá.
Não poderia deixar de citar a professora Francisca Yaka Shawãdawa, que iniciou sua trajetória no magistério indígena sob meus cuidados, há dezesseis anos atrás, e hoje é a presidente da Organização dos Professores Indígenas do Acre (OPIAC), referência na luta pelos direitos dos professores e pelas políticas voltadas à educação escolar indígena.
A presença e trabalhos cada vez mais reconhecidos e procurados dos pajés Yawanawá contribuíram para a quebra de paradigmas nesse nosso mundo em transição, onde o papel da mulher no assim chamado “sagrado indígena” assumiu nova posição. E, ao contrário do que acham, os assim chamados “puristas”, este movimento deu nova vida a este povo e serviu de referência para que outros passassem a considerar cada vez mais esta participação e protagonismo.
A saúde indígena do Juruá recebeu de braços abertos a médica Gilda Maria Yawanawa, primeira médica indígena do Acre, nascida e criada na Terra Indígena Rio Gregório e que, através de parcerias de seu povo foi para Cuba para cursar medicina e que, tendo retornado, atuará no atendimento de saúde aos povos indígenas do estado.
Citei estes exemplos, e poderia citar muitos outros, isso sem contar no restante do país onde várias lideranças mulheres se destacam.Um movimento crescente, e que está se consolidando cada vez mais, é o intercambio e participação em diversas atividades no Brasil e no exterior de mestras e aprendizes da tradição, divulgando e apresentando a cultura de seus povos, sempre com alegria e com a energia cativante de sua presença.
Sempre achei a mulher indígena uma criatura linda, imbuída de uma beleza que transcende o material.Ah, sim! Não poderia deixar de citar que muitas destas mulheres são mães, esposas, estudantes, amigas, avós, etc. E sempre observei que, independentemente do que estejam desenvolvendo, jamais se esquecem destes compromissos familiares, sociais e culturais em que estão inseridas.
Sua presença nos ambientes nunca passa despercebida, pois inunda o espaço com a energia suave e colorida de seu yuxin. Carregando sobre si toda a sabedoria e força entregues a seu ser pelos seres fantásticos e sagrados dos antepassados.
Não gosto da palavra “guardião” para classificar qualquer conhecedor da tradição indígena, por isso creio ser a mulher indígena, em vez de guardiã, a representação viva da força ancestral do seu povo e sem a qual este não teria razão de existir.
Não poderia terminar minha reflexão sem citar outra “categoria” de mulheres que, por seu engajamento, são consideradas como parte da cultura. Falo das indigenistas que dedicaram ou dedicam suas vidas ao trabalho junto às comunidades.
Pessoas maravilhosas, representadas pela figura guerreira e incansável da querida e eterna professora de indigenismo, Dedê Maia, que mesmo após ultrapassar a idade de aposentadoria, continua envolvida em projetos e lutas em prol dos direitos e chamada “agenda indígena”.
Finalizo, entretanto reforçando o que diz o titulo desse artigo: Mulher Indígena – Muitos Olhares, Diversos Papéis.

Segue abaixo registro fotográfico de mulheres das quatros etnias indígenas de Marechal Thaumaturgo: Ashaninkas, Apolima Arara, Jaminawa Arara, Kuntanawa e Huni Kui ou Kaxinawá.















Por: Cleudon França. Photos: Arquivo Pessoal Cleudon França

Um comentário:

  1. Excelente página, precisamos cada vez mais dar visibilidade às nossas lutas.

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