“Povo
orgulhoso de sua cultura, movido por um sentimento agudo de liberdade, prontos
a morrer para defender seu território, os Ashaninkas não são simples objetos da
história ocidental”.
Chegamos
ao ultimo Artigo da série que fala dos povos tradicionais
de Marechal Thaumaturgo. Em foco, o Povo Ashaninka – com uma admirável
sua capacidade de conciliar costumes e valores tradicionais com idéias e
práticas do mundo dos brancos, tais como aquelas ligadas à sustentabilidade
socioambiental.
Têm uma
longa história de luta, repelindo os invasores desde a época do Império Incaico
até a economia extrativista da borracha do século XIX e, particularmente entre
os habitantes do lado brasileiro da fronteira, combatendo a exploração
madeireira desde 1980 até hoje.
LOCALIZAÇÃO
E POPULAÇÃO
A grande
maioria dos Ashaninka vive no Peru. Os grupos situados hoje em território
brasileiro são também provenientes do Peru, tendo iniciado a maior parte de
suas migrações para o Brasil pressionados pelos caucheiros peruanos no final do
século XIX. Aqui os Ashaninka estão em Terras Indígenas distintas e
descontínuas, todas situadas na região do Alto Juruá.
Afluente
da margem direita do rio Juruá, o Amônia nasce em território peruano e garante
em seu curso brasileiro condições de navegação relativamente favoráveis. Na
época das chuvas, uma viagem, da fronteira internacional à confluência com o
Juruá, situada no município de Marechal Thaumaturgo, leva mais ou menos dez
horas de navegação em canoa motorizada.
Hoje, nas
terras baixas do rio Amônia, encontramos a Reserva Extrativista do Alto Juruá
(margem direita) e um assentamento do Incra (margem esquerda), enquanto a parte
alta abriga em ambos os lados a Terra Indígena Kampa do Rio Amônia.
Segundo a
CPI-AC, a população ashaninka do rio Amônia representava em 2004 um total de
472 indivíduos, ou seja, mais ou menos metade dos Ashaninka vivendo no Brasil.
Mais de 80% dessa população vive hoje na aldeia Apiwtxa ou nas suas
proximidades (menos de trinta minutos de canoa motorizada). Por via fluvial, a
aldeia Apiwtxa situa-se a aproximadamente 80 quilômetros de Marechal
Thaumaturgo. Em linha reta, a distância é, respectivamente, de 30 e 180
quilômetros. Essa aldeia foi criada em 1995, na parte baixa da TI, nas
proximidades do limite com a Reserva Extrativista do Alto Juruá e o
assentamento do Incra. Atualmente a população Ashaninka do Rio Amônia residente
na Aldeia Apiwtxa e proximidades é de mais de 800 indivíduos.
Ainda de
acordo com dados da CPI-AC, a TI do Rio Breu possuía em 2004 uma população de
114 Ashaninka.
NOME
E LÍNGUA
Os
Ashaninka pertencem a família lingüística Aruak (ou Arawak). Eles são o
principal componente do conjunto dos Aruak sub-andinos, também composto pelos
Matsiguenga, Nomatsiguenga e Yanesha (ou Amuesha). Apesar de existirem
diferenças dialectais, os Ashaninka apresentam uma grande homogeneidade
cultural e lingüística.
Ao longo
da história, os Ashaninka foram identificados sob vários nomes: Ande, Anti, Chuncho, Pilcozone, Tamba, Campari.
Todavia, são mais conhecidos pelo termo 'Campa' ou 'Kampa',
nome freqüentemente utilizado por antropólogos e missionários para designar os
Ashaninka de maneira exclusiva ou os Aruak sub-andinos de forma genérica - com
exceção dos Piro e dos Amuesha. Ashenĩka é a autodenominação
do povo e pode ser traduzida como 'meus parentes', 'minha gente', 'meu povo'. O
termo também designa a categoria de espíritos bons que habitam “no alto” (henoki).
COSMOLOGIA E XAMANISMO
Entre
os Ashaninka, encontramos as características que definem os sistemas
cosmológicos xamânicos presentes nas terras baixas da Amazônia: universo
dividido em vários níveis; a existência de um mundo invisível por trás do mundo
visível, o papel do xamã como mediador entre esses mundos etc. Talvez a
particularidade ashaninka resida na sua concepção extremamente dualista do
universo, definindo claramente as fronteiras entre o Bem e o Mal.
Os
Ashaninka do Rio Amônia também relatam uma visão do mundo construída a partir
de uma estrutura do universo verticalmente hierarquizada e composta de camadas
superpostas. O nível subterrâneo é associado à morte e aos espíritos do mal:
kamari. Os índios pouco falam sobre esse mundo onde moram pessoas estranhas,
algumas com um modo de vida semelhante ao do branco (casas, carros...) e que
conseguem respirar na água. Os Ashaninka afirmaram que nenhum deles vive lá e
que não gostam de pensar nesse lugar perigoso porque poderiam acordar os
espíritos maléficos e chamá-los para o nosso mundo. Todos eles afirmam, no
entanto, que essa camada existe e situa-se “embaixo” (isawiki) da nossa
Terra.
Embora
esse mundo esteja associado à morte e tenha sido qualificado por alguns como o
“Inferno”, ele não é sempre apresentado como tal. Segundo o relato de Shomõtse,
atualmente o Ashaninka mais idoso da aldeia Apiwtxa, o “Inferno” não se
situaria nesse nível subterrâneo, mas estaria localizado no céu ou, mais
exatamente, “em cima” (henoki),
e não “embaixo” (isawiki).
Lá existe um “grande buraco com água fervendo numa grande panela”. O dono desse
lugar é Totõtsi, cuja principal tarefa é cozinhar os Ashaninka pecadores. A
presença do “Inferno” em cima também se encontra em outros relatos, enquanto
alguns informantes acreditam que esse lugar esteja situado debaixo da Terra.
Apresentam
o céu como composto de várias camadas. No topo, em inkite,
encontra-se Pawa, o Deus todo
poderoso. Na camada imediatamente inferior, estão os Tasorentsi, que são vistos
com características divinas: “eles são como um Deus, pegam qualquer coisa,
sopram e transformam em outra coisa”. Num nível abaixo deles, sempre em henoki,
encontram-se outros espíritos bons que, como os Tasorentsi, são os “verdadeiros
filhos de Deus”. Segundo alguns informantes, essa camada do céu é chamada Pitsitsiroyki.
É onde Pawa seleciona entre os Ashaninka aqueles que reconhece como filhos.
Segundo os Ashaninka do rio Amônia, esses “espíritos bons” que vivem em henoki
podem todos ser considerados como itome Pawa (filhos de Pawa) e são chamados
amatxenka ou asheninka.
Pawa
é apresentado como o Deus criador de todo o universo. Às vezes, os Ashaninka se
referem a ele como Paapa (pai). Direta ou indiretamente
apoiado pelos seus filhos, ele criou a Terra, a floresta, os rios, os animais,
os homens, o céu, as estrelas, o vento, a chuva... Na mitologia nativa, muitas
dessas criações são, na realidade, transformações de pessoas ashaninka, filhos
de Pawa, em outra coisa e foram realizadas através do sopro. Assim, nos tempos
da criação do mundo, os animais, as plantas, os astros ou certos lugares ou
fenômenos tinham uma aparência humana e eram, de uma maneira geral, filhos de
Pawa. Em função do comportamento desses primeiros Ashaninka na Terra, o Deus
e/ou os Tasorentsi transformaram-nos em outra coisa, ruim ou boa.
Na
mitologia Ashaninka, o gênero de Sol e Lua são opostos ao português, sendo o
primeiro feminino e o segundo masculino. Segundo Weiss, Pawa teria nascido de
uma relação sexual de Lua com uma mulher ashaninka que morreu queimada ao dar à
luz a Sol. Desse modo, Lua é considerado o pai de Pawa.
Antes de subirem ao céu, durante muito tempo Sol e Lua viveram na terra.
Lua
ofereceu a mandioca (kaniri) aos Ashaninka que, até aquele momento, só se
alimentavam de térmitas. Todavia, apesar de ser o pai de Sol e também
considerado como Deus, Lua ocupa um status inferior a Sol em razão de suas
atividades que o afastam da vida e o aproximam da morte. Ser canibal, Lua
alimenta-se dos mortos e o destino dos Ashaninka é serem devorados por ele.
Essa
relação de filiação entre a Lua e o Sol parece um pouco problemática entre os
Ashaninka do rio Amônia. Kashiri não é sempre reconhecido como pai de Pawa, na
medida em que muitos informantes afirmam, categoricamente, que este sempre
existiu e criou tudo, inclusive Lua. Este é visto como um ser ambíguo, ao mesmo
tempo considerado como um Deus fornecedor da mandioca (kaniri), mas
também associado a um ser canibal que briga periodicamente com Sol (eclipses) e
é associado ao mundo dos mortos.
Segundo
os Ashaninka do rio Amônia, após a vida na Terra, os mortos (kamikari) vão, num
primeiro momento, para o mundo “embaixo” (isawiki),
onde permanecem por um tempo. Nas fases de lua nova, Kashiri ingere-os e
leva-os para Pitsitsiroyki, onde os entrega a uma estrela. Esta é encarregada
de lavá-los, perfumá-los e guardá-los até a visita de Pawa que, periodicamente,
vem escolher entre os mortos os Ashaninka que ele reconhece como filhos
legítimos e deseja guardar perto de si.
CULTURA
MATERIAL
Os
Ashaninka contam que sempre tiveram canoas (pitotsi), casas (pãkotsi)
e roçados (owãtsi) com várias qualidades de mandioca (kaniri).
Antigamente, as casas eram diferentes, tinham paredes e ficavam diretamente
assentadas no chão. Hoje, são construídas sobre pilotis. Embora os brancos
regionais também morem em casas elevadas, as dos Ashaninka, geralmente, não têm
paredes ou divisões e são cobertas com palha, enquanto os wirakotxa ribeirinhos
usam alumínio.
Diferentemente
da maioria dos outros grupos indígenas das terras baixas sul-americanas, os
Ashaninka sempre usaram roupas. Veste tradicional ashaninka, a kushma constitui
um elemento importante na diferenciação étnica. Cabe notar que a palavra “kushma”
é de origem quéchua e, embora ela seja também usada pelos índios, os Ashaninka
têm o termo “kitharentsi”, que é utilizado para se referir tanto à
vestimenta como ao tear e ao tecido.
Foram as
filhas de Pawa que ensinaram as mulheres ashaninka a tecer e a
fazer a vestimenta. Para os homens, o decote tem uma forma de “V”, enquanto o
das mulheres é em “U”. A roupa masculina apresenta listas verticais coloridas,
que são obtidas após o tingimento da linha de algodão. Na kushma feminina,
as linhas são horizontais. Os motivos realizados a partir dos corantes vegetais
também são diferentes. Na túnica dos homens, eles são tecidos e representam
detalhes corporais de animais: cara de arara, rabo de bico-de-jaca,
características de larvas, pássaros, peixes... Na kushma feminina,
os desenhos são pintados e representam pássaros, larvas, peixes e, sobretudo,
onças e cobras... Depois de um certo tempo de uso, ambas as vestimentas são
tingidas com casca de mogno e lama, o que lhes dá uma cor marrom/preta. A
diferença mais significativa entre as duas kushma é que a
túnica do homem ainda é realizada tradicionalmente com o algodão (ãpe)
tecido no tear, enquanto as mulheres usam tecido industrializado.
O chapéu
(amatherentsi) é feito com uma palha de palmeira de cocão (kõtaki) e
enfeitado com penas de arara. Se seu uso na Terra Indígena é restrito, mas ao
prepararem sua bagagem para as viagens fora da aldeia, as lideranças, junto com
a kushma, geralmente, não esquecem o chapéu.
O txoshiki é
um tipo de colar confeccionado com várias espécies de sementes nativas. Usados
a tiracolo em diagonal, com muitas voltas, eles são, geralmente, enfeitados com
adornos (thatane) que caem nas costas. Esses adornos são feitos com sementes,
cascas de castanhas ou penas (arara, papagaio, tucano, mutum...). Entre os
vários modelos de colares, o kenpiro reproduz os desenhos e as
cores da serpente e é considerado o txoshiki original e o mais
tradicional pelos Ashaninka.
Entre os
instrumentos musicais, os Ashaninka destacam os tambores (tãpo) e a
flauta de tipo sõkari. O tambor, de tamanho variável, é feito de
madeira de cedro. O tronco é escavado e recoberto dos dois lados com couro de
porquinho, queixada ou de várias espécies de macaco (preto, prego,
barrigudo...), mais raramente, de arraia. O couro é amarrado à madeira com uma
corda de fibra natural (imbaúba). A batida é feita com baquetas confeccionadas
em madeira ou com o osso de um macaco, geralmente o fêmur. O sõkari é
uma flauta de pã composta por cinco canos de bambu, amarrados com uma corda
feita a partir da linha de algodão. O bambu utilizado é de uma espécie que os
índios chamam de “shawope” e que vão buscar no Alto Juruá peruano. O sõkari é
geralmente tocado pelos homens mais velhos e tem uma simbólica importante. Os
informantes contam que ele é usado para homenagear Pawa e se
distingue das outras flautas, como o showiretsi ou totama que
são tocadas no piyarentsi, simplesmente para dançar.
RITUAIS
Entre os
Ashaninka, tanto a bebida feita de ayuaska como o ritual são chamados kamarãpi (vômito,
vomitar). A cerimônia é sempre realizada à noite e pode se prolongar até de
madrugada. Um Ashaninka pode consumir o chá sozinho, em família ou convidar um
grupo de amigos, mas, geralmente, as reuniões são constituídas de grupos
pequenos (cinco ou seis pessoas). O kamarãpi se caracteriza
pelo respeito e silêncio e contrasta fortemente com a animação festiva do
ritual piyarentsi. A comunicação entre os participantes é mínima e
apenas os cantos, inspirados pela bebida, vêm romper o silêncio da noite.
Contrariamente ao piyarentsi, esses cantos sagrados do kamarãpi não
são acompanhados por nenhum instrumento musical. Eles permitem aos Ashaninka
comunicarem-se com os espíritos, agradecerem e homenagearem Pawa.
O kamarãpi é
um legado de Pawa, que deixou a bebida para que os Ashaninka adquirissem o
conhecimento e aprendessem como se deve viver na Terra. As respostas a todas as
perguntas dos homens estão acessíveis com o aprendizado xamânico, que é
realizado através do consumo regular e repetitivo da bebida, durante anos. A
formação do xamã (sheripiari), no entanto, nunca pode ser considerada como
concluída. Se a experiência lhe confere respeito e credibilidade, ele está
sempre aprendendo. É através do kamarãpi que o sheripiari
realiza suas viagens nos outros mundos e adquire a sabedoria para curar os
males e as doenças que afetam a comunidade.
A cura
realizada através do kamarãpi é eficaz apenas para as doenças
nativas causadas, geralmente, por meio da feitiçaria. Contra as “doenças de
branco” os Ashaninka só podem lutar com o auxílio de remédios industrializados.
O piyarentsi,
por sua vez, possui uma dimensão mais marcadamente festiva, mas também possui
dimensões econômicas, políticas e religiosas. O ritual constitui o principal
modo de sociabilidade e de interação social entre os grupos familiares.
Nos piyarentsi discute-se de tudo: casamentos, brigas,
caçadas, problemas com os brancos, projetos etc.
Em
Apiwtxa, a organização de um ou vários piyarentsi ocorre com
muita freqüência, geralmente todos os finais de semana. O convite para beber
tem o caráter de uma obrigação social e rejeitá-lo é considerado uma ofensa.
Após contar com a ajuda do homem para arrancar a mandioca, a mulher é a única
responsável pela preparação da bebida.
Descascada,
lavada e cozida, a mandioca (kaniri) é posta numa grande gamela
(intxatonaki), onde é desmanchada com uma pá de madeira (intxapatari).
Uma pequena porção é posta na boca e mastigada até adquirir consistência de
pasta, momento em que é jogada na gamela. Este processo se repete com toda a
mandioca. A gamela é então recoberta por folhas de bananeira e a massa deixada
em fermentação de um a três dias. O convite é feito, geralmente, pelo marido,
que passa de casa em casa avisando aos outros chefes de família que
haverá piyarentsi.
Todos os
Ashaninka da aldeia participam da festa, em que bebem grandes quantidades
de piyarentsi. Embriagar-se nessa ocasião é sempre um objetivo e
motivo de orgulho. Os homens demonstram sua resistência física, passando dias e
noites bebendo, indo de casa em casa, sem dormir. No auge da embriaguez, os
Ashaninka tocam suas músicas, dançam, riem. Afirmam que fazem piyarentsi para
homenagear Pawa, que se alegra vendo os seus filhos felizes. Foi durante uma
reunião de piyarentsi que Pawa reuniu seus filhos,
embebedou-os e realizou as grandes transformações antes de deixar a Terra e
subir ao céu.
Hoje, se
as assembléias comunitárias aparecem como novos rituais gerados pela situação
de contato, é ainda no piyarentsi que se fortalece tanto a
política interna como externa. Além de conversarem sobre os assuntos do
cotidiano da comunidade, no piyarentsi os Ashaninka discutem
os projetos e é também aí que tentam conscientizar os parentes recém-chegados
do Peru, explicando com orgulho a história da comunidade e sua organização.
ORGANIZAÇÃO
SOCIAL
A luta
contra a exploração madeireira e pela demarcação da Terra Indígena causou
transformações importantes na organização social e política dos Ashaninka do
rio Amônia. Desde o início do século XXI, a maioria dos índios vem mudando seu
padrão de assentamento, tradicionalmente disperso pelas margens dos rios e
igarapés, para juntarem-se numa comunidade. Essa mudança afetou a organização
política interna. Novas instituições, como a cooperativa e a escola, foram
criadas para concretizar as reivindicações indígenas e ocupam hoje um lugar
central na vida social dos índios.
Com a
criação da associação Apiwtxa, os novos líderes que surgiram durante a luta
pela demarcação da área tornaram-se os mediadores entre os Ashaninka e os
diferentes setores do indigenismo (Funai, ONGs, Governo do Estado etc.) e
desenham hoje os caminhos da política interétnica.
Essas mudanças
na política interna e na organização social dos Ashaninka do rio Amônia
resultam de fatores externos, mas também revelam a dinâmica e a criatividade da
própria sociedade ashaninka, que incorporou esses novos modelos reinterpretando
sua estrutura social tradicional. Assim, por exemplo, o agrupamento na aldeia
Apiwtxa juntou várias famílias em torno de Antônio Pianko, mas o padrão de
assentamento permaneceu organizado em pequenos grupos domésticos. De modo
semelhante, os novos líderes ocupam um espaço privilegiado na política do
contato interétnico, mas não substituíram os mecanismos da antiga
"chefia", cujas atribuições também são limitadas e garantem a
liberdade de cada família.
Com um
padrão de assentamento tradicionalmente disperso, a organização social
ashaninka é muito flexível. A unidade social é a família nuclear, geralmente
composta pelo marido, esposa e seus filhos. Essas famílias nucleares podem
agrupar-se em torno de um homem mais velho (um pai ou um avô) constituindo um
grupo doméstico. Esses pequenos agrupamentos de casas compõem-se, geralmente,
de uma a seis famílias nucleares ligadas por relações de afinidade e
consangüinidade. Os grupos domésticos caracterizam-se por uma grande
reciprocidade e pela cooperação econômica entre as diferentes famílias
nucleares, tais como trabalhos em conjunto nos roçados e repartição da caça.
Eles podem ser considerados como a maior unidade política estável da sociedade
ashaninka.
Um
conjunto de grupos domésticos pode agrupar-se sob a influência de um
"chefe" para formar o que os Ashaninka chamam de nampitsi e
que Mendes define como “território político”.O tamanho de um nampitsi é
muito variável e suas fronteiras não são sempre bem delimitadas. Os grupos
domésticos que compõem esses territórios políticos podem morar distantes uns
dos outros ou agrupar-se numa comunidade. Um nampitsi também
pode coincidir com os limites de um grupo doméstico ou com uma família extensa.
No seu interior, a cooperação econômica entre os grupos é mínima, embora seus
membros possam juntar-se para participar de pescarias ou caçadas coletivas.
O ritual
do piyarentsi é o principal modo de interação social no
interior do nampitsi. A estrutura desses territórios políticos é
muito flexível, assegurando ao mesmo tempo a independência e a liberdade de
seus componentes e uma solidariedade política interna. Vários fatores
contribuem para a ampliação, redução ou fissão de um nampitsi:
prestígio do "chefe", mortes, conflitos entre famílias, casamentos...
O sistema de troca tradicional ayõpari permite o
estabelecimento de alianças entre diversos nampitsi, criando uma
solidariedade étnico-política maior que pode ser mobilizada em função das
circunstâncias históricas e até estender-se a outros grupos indígenas.
É
importante salientar que a figura do "chefe" não é sempre encontrada
na sociedade ashaninka e a instituição da chefia, quando existe, também
apresenta uma grande flexibilidade. Quando existe, o "chefe" pode ser
identificado pelo termo kuraka (ou curaca), de
origem quéchua, ou pela palavra ashaninka pinkatsari.
Entre os
Ashaninka do Amônia, essas duas definições estão presentes. Todavia, muitos
afirmam que o pinkatsari não é necessariamente um "chefe" ou kuraka.
O pinkatsari é um ãtarite (“aquele que sabe”), mas um guerreiro (owayiri),
um xamã (sheripiari) ou um homem velho que se destaca por sua sabedoria
e experiência também pode ser qualificado de pinkatsari, sem necessariamente
ser kuraka ou "chefe". Dessa forma, podemos levantar
a hipótese de que não existe palavra na língua ashaninka para designar
"chefe", o termo de origem quéchua kuraka sendo o único unanimemente
reconhecido para qualificar essa função.
POLÍTICA INTERÉTNICA E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
A
cooperativa criada pelos Ashaninka do rio Amônia começou a funcionar em 1987,
com recursos da FUNAI. Os Ashaninka também receberam, entre novembro de 1989 e
fevereiro de 1990, um recurso da Gaia Foundation (ONG ambientalista britânica)
que lhes permitiu adquirir um batelão e dispor de um pequeno capital de giro.
Posteriormente foram apoiados pelo BNDES.
No início
dos anos 1990, os Ashaninka passaram a investir na produção de artesanato, cujo
comércio era favorecido naquele contexto pela visibilidade política e midiática
da Aliança dos Povos da Floresta. Durante a ECO-92 no Rio de Janeiro, por
exemplo, se vendeu artesanato Ashaninka no âmbito da Aliança. Nos anos
seguintes, firmaram parcerias com a loja paulistana Amoa-Konoya, com a empresa
americana Aveda e com a FUNAI (lojas Artíndia e projeto Moitará, com exposição
e comércio do artesanato em Brasília).
Até hoje,
a produção e venda de artesanato representam de 70 a 80% do capital da
cooperativa e são a principal atividade comercial dos Ashaninka. Todavia, a
despeito do capital advindo com esse comércio, o acesso dos Ashaninka aos
manufaturados permanece, por sua própria escolha, restrito a produtos
indispensáveis: sal, munição, linha de pescar, anzóis, terçados, sabão.
Para
oferecer um dispositivo legal capaz de negociar e executar projetos, bem como
defender os interesses dos Ashaninka do rio Amônia, em 1991 foi criada a
associação Apiwtxa, oficialmente registrada em 1993.
O
processo de afirmação da etnicidade e de revitalização cultural aparece de
maneira significativa na área de educação escolar através da idéia de “educação
diferenciada” e do projeto promovido desde 1997 pelas lideranças da Apiwtxa de
criar uma “escola tradicional”. Recentemente, os Ashaninka também se
apropriaram do uso do vídeo para registrar momentos importantes da comunidade e
seus conhecimentos tradicionais. A escola e o vídeo, instrumentos da sociedade
ocidental, adquiriram com os Ashaninka do rio Amônia um novo significado.
Assim, os instrumentos dos brancos foram reinterpretados pelos índios e servem
hoje para fortalecer suas tradições culturais e afirmar a identidade étnica.
Depois da
demarcação da Terra Indígena, em 1992, os Ashaninka do rio Amônia passaram
também a executar uma série de projetos de desenvolvimento sustentável com
diferentes parceiros do indigenismo, em busca de alternativas para a exploração
madeireira. Iniciaram uma política ambiciosa de proteção e recuperação
ambiental de seu território e procuraram comercializar alguns de seus recursos
naturais, produzidos de maneira sustentável. Assim, no novo contexto do
indigenismo, marcado pelo crescimento das preocupações ambientais, os Ashaninka
do rio Amônia encontraram novos caminhos para proteger seu meio ambiente e, ao
mesmo tempo, tirar benefícios de seus recursos naturais.
"A GENTE LUTA MAS COME FRUTA", vídeo
de Valdete Pinhanta como parte do projeto Vídeo nas Aldeias, mostra
o manejo agroflorestal realizado pelos Ashaninka da aldeia APIWTXA no rio
Amônia, Acre. No filme eles registram, por um lado, seu trabalho para recuperar
os recursos da sua reserva e repovoar seus rios e suas matas com espécies
nativas, e por outro, sua luta contra os madeireiros que invadem sua área na
fronteira com o Peru.
Junto com
a CPI (Centro de Pesquisa Indigenista, ONG que já não mais existe), a Associação
Ashaninka elaborou um projeto para o aproveitamento de óleos e essências de
palmeiras nativas da região. Mais de cinquenta produtos, entre óleos, folhas,
polpas, castanhas e outros foram pesquisados e catalogados durante os três anos
do projeto.
Em 1994,
ainda no âmbito da Aliança dos Povos da Floresta, os Ashaninka obtiveram da
embaixada dos Países Baixos um projeto de vigilância e conservação ambiental
que financiou uma infra-estrutura mínima para a proteção do território indígena
contra as invasões. Em 1995 e 1996, os Ashaninka do rio Amônia experimentaram a
coleta de sementes de árvores nativas. Voltada para o mercado de
reflorestamento, a produção foi encaminhada ao IPEF (Instituto de Pesquisa e
Estudos Florestais), da ESALQ (Escola Superior de Agricultura Luis de Queiroz),
em Piracicaba (SP). Pelo acordo de parceria, o instituto era encarregado da
comercialização das sementes e, após a cobrança de uma taxa de 25% para as
despesas de armazamento e conservação, repassava o valor restante para a
Apiwtxa de acordo com as vendas.
Em 1999,
ao mesmo tempo em que coletavam castanha de murmuru (palmeira: astrocaryum sp)
para a empresa Tawaya, os Ashaninka trabalharam com um cipó denominado
regionalmente de “espera-aí” (uncaria tomertosa). A produção de cerca de 25
toneladas foi encomendada e vendida para a empresa Biosapiens, que tem uma
representação em Cruzeiro do Sul.
No ano
2000, em cooperação com a Secretaria de Coordenação da Amazônia do Ministério
do Meio-Ambiente (SCA-MMA), com o governo do Estado do Acre e com
financiamentos do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
Sustentável), a Apiwtxa implementou um projeto de apicultura.
Ainda em
2000, os Ashaninka do rio Amônia encaminharam um ambicioso projeto de “manejo
de sistemas agroflorestais e recuperação ambiental de áreas degradadas” ao PD/A
(Projetos Demonstrativos tipo A, um dos sub-programas do Programa Piloto para a
Proteção das Florestas Tropicais do Brasil).
A
preocupação dos Ashaninka com o meio ambiente e o uso sustentável de seus recursos
também é visível em relação à fauna. Após os danos causados pela exploração
madeireira, as pescarias e as caçadas predatórias realizadas pelos posseiros
brancos, os Ashaninka iniciaram por conta própria um plano de manejo da fauna
na Terra Indígena. Muitos animais, como o tracajá (shenpiri), quase
desapareceram da região durante a década de 1980
Em 1993,
numa reunião comunitária, os Ashaninka discutiram o manejo do tracajá e
decidiram proibir a coleta de ovos e o consumo da carne do animal durante um
período de três anos. A população de tracajás, que estava em extinção no rio
Amônia, aumentou novamente. Por meio do Projeto de Manejo para Reprodução de
Quelônios, realizado em parceria com o Ibama e a ONG SOS Amazônia, desde 2003
os Ashaninka promovem uma festa todos os anos, com a presença de autoridades do
mundo dos brancos, no dia da soltura de centenas de quelônios para repovoamento
nos rios da TI do Amônea.
Os índios
também proibiram o uso do veneno waakashi (timbó) nas pescarias realizadas no
rio Amônia e nos principais igarapés para preservar os peixes. Como a pesca, a
caça também foi alvo de importantes iniciativas destinadas a repovoar a
floresta com os animais tradicionalmente caçados pelos Ashaninka. Desde 1992,
as lideranças da Apiwtxa afirmam proceder a uma rotatividade das áreas de caça
e estabeleceram zonas de refúgio para os animais.
Assim, ao
longo dos últimos quinze anos, a Apiwtxa obteve financiamentos de diversas
fontes e iniciou parcerias que possibilitaram a implementação de alternativas
econômicas respeitosas ao meio ambiente. Os Ashaninka do rio Amônia não só
adotaram o “rumo da sustentabilidade”, como são considerados hoje um exemplo
muito bem sucedido da nova orientação política do desenvolvimento amazônico,
buscando conciliar a preservação da natureza com alternativas econômicas
viáveis para a comunidade. Não por acaso, o índio Ashaninka Francisco da Silva
Pianko em 2001 era secretário do Meio Ambiente do município de Marechal
Taumaturgo, cargo já ocupado também por seu irmão Benki Pianko e Isaac Piyãko –
atual Prefeito de Marechal Thaumaturgo. Francisco, desde 2003, ocupa o cargo de
Secretário do Estado dos Povos Indígenas do Acre.
INVASÃO MADEIREIRA
Após
a longa luta, nos anos 1980, contra a exploração madeireira mecanizada em suas
terras, os Ashaninka do rio Amônia passaram a enfrentar novamente esse problema
a partir do final de 2000, quando madeireiras peruanas começaram a invadir seu
território ao longo da fronteira brasileiro-peruana. A despeito de lutarem de
maneira incansável contra essa situação, até hoje as madeireiras continuam
atuando.
Os
Ashaninka estimam que cerca de 15% da Terra Indígena, ao longo do limite mais
ocidental, tenha sido invadida nos últimos quatro anos por madeireiros
peruanos, que abriram uma série de caminhos e varadouros dentro da área. Além
da exploração ilegal de madeira, o Ibama também identificou pequenos
acampamentos de peruanos ao longo da fronteira internacional e dentro dos
limites da TI Kampa do Rio Amônia, onde parecem estar em operação laboratórios
temporários de refino de pasta base de coca.
Depois
de uma série de reivindicações indignadas dos Ashaninka, as autoridades
começaram a se articular para tomar providências. Assim, desde 2001 existem
discussões no plano governamental entre os dois países, no âmbito do Grupo de
Trabalho Binacional sobre Cooperação Amazônica e desenvolvimento fronteiriço
Brasil-Peru. Desde 2003, os governos do Acre e Ucayali, no âmbito da Secretaria
Técnica para a Integração Acre-Ucayali, vêm discutindo a situação da fronteira
do Alto-Juruá. ONGs indígenas, indigenistas e ambientalistas dos dois países
também participam dessas discussões políticas e multiplicam iniciativas
conjuntas no âmbito do projeto "Conservação Transfronteiriça da Região da
Serra Divisor (Brasil-Peru)". De julho/2004 a julho/05, 22 acampamentos
ilegais foram destruídos, 65 pessoas (62 peruanos e 03 brasileiros) foram
presas e foram apreendidas e destruídas 6 mil m³ de madeiras nobres, além de
couros de animais e jabutis.
Apesar
da intervenção crescente das autoridades, a situação ainda não está controlada
e os Ashaninka da Terra Indígena Kampa do rio Amônia continuam ameaçados. Ao
longo dos últimos anos, a pressão crescente dos madeireiros peruanos vem,
inclusive, estimulando conflitos entre os índios Amahuaka e famílias Ashaninka
que vivem em comunidades do Alto Juruá peruano. Os Ashaninka explicaram que os
conflitos acontecem porque as madeireiras que atuam na fronteira estão
diminuindo o espaço territorial dos "índios arredios". As empresas
madeireiras derrubam a floresta com maquinário pesado, que espanta a caça, e as
armas de fogo dos trabalhadores empurram os índios que vivem “isolados” em
direção às aldeias Ashaninkas e Kaxinawá espalhadas em ambos lados da fronteira
brasileiro- peruana.
O
PRIMEIRO PREFEITO INDÍGENA DO ACRE
O
primeiro prefeito indígena eleito no Acre é do Povo Ashaninka de Marechal
Thaumaturgo: Isaac da Silva Piyãko.
Nascido no dia 20 de Fevereiro de 1972. É
filho de Dona Francisca Oliveira da Silva (Dona Pity) e seu Antônio Piyanko. É
casado com a Professora Fátima de Souza Cruz e tem 07 (sete) filhos e 04
(quatro) netos.
É natural de
Marechal Thaumaturgo – da etnia indígena Ashaninka do Rio Amônia, da qual junto
com seus irmãos (Bênki, Francisco, Bebito e Moisés) desenvolve um notório e trabalho na preservação do meio ambiente, reflorestamento,
desenvolvimento sustentável, assim como também no combate a ao
desmatamento e extração ilegal de madeira.
É professor
do Ensino Fundamental, tendo Formação Superior completa pela Universidade
Federal do Acre (UFAC).
Foi à
primeira eleição que disputou, da qual já saiu eleito com a segunda maior
votação obtida por um prefeito em Marechal Thaumaturgo aonde 4.094
thaumaturguenses lhe confiaram o destino da cidade pelos próximos 04 (quatro)
anos.
Candidatou-se
ao cargo de Prefeito pelo PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro,
através da coligação Trabalho e Honestidade composta pelas siglas partidárias:
PSC, PR, PSDB, PP, PPS, PSD e PV além do próprio PMDB.
Sua eleição é
um capitulo histórico na história da política acreana e thaumaturguense, pois,
segundo os registros, Isaac Piyanko é o primeiro prefeito indígena do Estado do
Acre e também do Município de Marechal Thaumaturgo.
Isaac está
entre os seis (06) prefeitos indígenas eleitos no Brasil nas ultimas eleições
municipais, sendo o quinto mais bem votado, obtendo 4.094 votos.
SEGUE ABAIXO O COTIDIANO DO POVO ASHANINKAS DO
RIO AMÔNIA: FESTAS TRADICIONAIS, CULTURA, XAMANISMO...
POR:
CLEUDON FRANÇA.
INFORMAÇÕES:
SITES POVOS INDÍGENAS NO BRASIL e CORREIO DO BRASIL.
REGISTRO
FITOGRÁFICO: CLEUDON FRANÇA, SITE HOUSE
OF INDIAS E POVOS INDÍGENAS DO BRASIL.
Há alguns anos, 2 ou 3, vi um grupo de índios dessa etnia aqui em Brasília. Me chamou muito atenção pela vestimenta, estatura e elegância. Espero que estejam todos bem e protegidos da atual pandemia.
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