“Sua presença nos
ambientes nunca passa despercebida, pois inunda o espaço com a energia suave e
colorida de seu yuxin”.
MULHERES ASHANINKAS - ALDEIA APIWTXA DO RIO AMÔNIA - MARECHAL THAUMATURGO. |
É
muito comum que, ao ouvirmos falar da mulher indígena, somente façamos a
ligação mental com os afazeres ditos “femininos” em uma aldeia, como cuidar dos
filhos, preparar alimentos, cuidar da casa. Visão enganosa que podemos comparar
com a ideia tradicional e conservadora de nossa sociedade, que ainda insiste no
termo cafona e limitante do papel da mulher, enquadrando-a tão somente como “do
lar”.
O
assim chamado “universo feminino indígena” é muito amplo, e sem o qual, o que
conhecemos como cultura indígena não teria a riqueza e profundidade que estamos
acostumados a ver.
Foi
para as mulheres que a sagrada jiboia Yube ensinou os mistérios e os
segredos dos kene e dos mitos do seu povo Huni Kuin. O povo Puyanawa não
teria a técnica da pesca tradicional se não fosse graças a uma mulher.
O
feminino em tudo se faz presente na cultura indígena e isso fica claríssimo
quando analisamos a expressão máxima do sagrado indígena: ayahuasca. Resultado
mágico da união da força do cipó com os encantos da folha. E aí que se mostra a
força feminina que, representada pela folha, é responsável por revelar os
mistérios sagrados da cultura ancestral e dos caminhos espirituais que oyuxin deve
seguir.
As
chamadas “artes indígenas” são impregnadas do saber e da energia tradicional. Por
exemplo, as famosas e populares pulseiras e colares Huni Kuin
(Kaxinawá), Ashaninkas e Kuntanawa feitas de miçangas possuem uma peculiaridade
interessante, quando feitas por uma mulher são chamados kene kuin(desenho
verdadeiro) e que traz uma energia especial e verdadeira dos ancestrais. Quando
feitas por homens, são conhecidos como dami (desenho qualquer, coisa,
etc), que são bonitos e são da cultura, mas não tem a energia espiritual e
sagrada dos ancestrais. Vale citar que outros povos indígenas locais tem, de
modo geral, a mesma regra.
E
o que dizer das pinturas corporais? Lindas e cheias de simbologias.
Tive
inúmeras oportunidades de ter meu corpo pintado de desenhos tradicionais por
mulheres de diferentes povos, e testifico que este é um processo único que vai
nos remetendo, a cada traçado pintado em nossa pele, às origens e logos
universais, bem como à nossa união com a força da natureza, com a qual
convivemos enquanto viventes e com a qual nos harmonizaremos quando sob esta
formos sepultados.
Uma
prática que vem sendo recuperada nas aldeias é o da parteira tradicional.
Figura importante e que liga a criança à tradição de seu povo logo ao nascer.
Os
movimentos de fortalecimento ou recuperação da cultura tradicional seriam
incipientes, se não contasse com o engajamento delas. Temos vários exemplos
deste engajamento, espalhados pelas aldeias do Juruá. Um que acompanho de perto
é o lindo trabalho desenvolvido pela Vari Puyanawa
que, em breve, estará publicando suas pesquisas e “estudos” espirituais sobre kene tradicionais
inspirados pelas mirações do Uni.
Outros
papéis comunitários vêm sendo ocupados pelas mulheres: professoras, agentes de
saúde, presidentes de associações e cooperativas, entre outros.
O
mundo está sempre em transformação social e cultural, e claro, as comunidades
indígenas, à exceção dos povos isolados, não estão imunes a estas
transformações. Só que estas transformações, além de novos desafios, também vem
trazendo ventos de mudança e expansão do papel da mulher neste universo social
e cultural.
Temos
muitos exemplos disso.
É
cada vez mais comum esta participação nos processos de tomada de decisão e
representatividade do movimento indígena, bem como de outros espaços ditos “de
poder” que, até bem pouco tempo, tinham a figura masculina como referência.
Palavras
como pajé, cacique, liderança, são só algumas que deixaram de se referir
exclusivamente a atividades do homem.
Assim,
temos figuras queridas e fortes que assumiram papéis de referência em suas
comunidades e em instituições, dando, além de um brilho e energias diferentes,
um toque especial no trato da questão indígena.
E
como não se encantar com o vídeo “NixpuPima –
Rito de Passagem Huni Kuin”, da Aqui no Juruá acostumamos com a presença e as palavras fortes de lideranças como
Lucila Nawa, na luta pela regularização fundiária de sua terra; e da Edna
Shanenawa, que vem encampando e lutando pelas políticas de gênero e
fortalecimento dos conhecimentos do artesanato indígena, através da Associação
de Artesãs e Artesãos do Vale do Juruá.
Não
poderia deixar de citar a professora Francisca Yaka Shawãdawa, que iniciou sua
trajetória no magistério indígena sob meus cuidados, há dezesseis anos atrás, e
hoje é a presidente da Organização dos Professores Indígenas do Acre (OPIAC),
referência na luta pelos direitos dos professores e pelas políticas voltadas à
educação escolar indígena.
A
presença e trabalhos cada vez mais reconhecidos e procurados dos pajés Yawanawá contribuíram
para a quebra de paradigmas nesse nosso mundo em transição, onde o papel da
mulher no assim chamado “sagrado indígena” assumiu nova posição. E, ao
contrário do que acham, os assim chamados “puristas”, este movimento deu nova
vida a este povo e serviu de referência para que outros passassem a considerar
cada vez mais esta participação e protagonismo.
A
saúde indígena do Juruá recebeu de braços abertos a médica Gilda Maria Yawanawa,
primeira médica indígena do Acre, nascida e criada na Terra Indígena Rio
Gregório e que, através de parcerias de seu povo foi para Cuba para cursar
medicina e que, tendo retornado, atuará no atendimento de saúde aos povos
indígenas do estado.
Citei
estes exemplos, e poderia citar muitos outros, isso sem contar no restante do
país onde várias lideranças mulheres se destacam.Um movimento crescente, e que
está se consolidando cada vez mais, é o intercambio e participação em diversas
atividades no Brasil e no exterior de mestras e aprendizes da tradição,
divulgando e apresentando a cultura de seus povos, sempre com alegria e com a
energia cativante de sua presença.
Sempre
achei a mulher indígena uma criatura linda, imbuída de uma beleza que
transcende o material.Ah, sim! Não poderia deixar de citar que muitas destas
mulheres são mães, esposas, estudantes, amigas, avós, etc. E sempre observei
que, independentemente do que estejam desenvolvendo, jamais se esquecem destes
compromissos familiares, sociais e culturais em que estão inseridas.
Sua
presença nos ambientes nunca passa despercebida, pois inunda o espaço com a
energia suave e colorida de seu yuxin. Carregando sobre si toda a sabedoria
e força entregues a seu ser pelos seres fantásticos e sagrados dos
antepassados.
Não
gosto da palavra “guardião” para classificar qualquer conhecedor da tradição
indígena, por isso creio ser a mulher indígena, em vez de guardiã, a
representação viva da força ancestral do seu povo e sem a qual este não teria
razão de existir.
Não
poderia terminar minha reflexão sem citar outra “categoria” de mulheres que,
por seu engajamento, são consideradas como parte da cultura. Falo das
indigenistas que dedicaram ou dedicam suas vidas ao trabalho junto às
comunidades.
Pessoas
maravilhosas, representadas pela figura guerreira e incansável da querida e
eterna professora de indigenismo, Dedê Maia,
que mesmo após ultrapassar a idade de aposentadoria, continua envolvida em
projetos e lutas em prol dos direitos e chamada “agenda indígena”.
Finalizo,
entretanto reforçando o que diz o titulo desse artigo: Mulher Indígena – Muitos
Olhares, Diversos Papéis.
Segue
abaixo registro fotográfico de mulheres das quatros etnias indígenas de
Marechal Thaumaturgo: Ashaninkas, Apolima Arara, Jaminawa Arara, Kuntanawa e
Huni Kui ou Kaxinawá.
Excelente página, precisamos cada vez mais dar visibilidade às nossas lutas.
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